quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Final de ano

           Chega final de ano e é assim: a reflexão bate mais forte à porta. Não que esta nuance não exista na minha alma tantas vezes abalada pelo dito e não dito, mas que em dezembro se faz mais frágil. Pensando e repensando sobre a vida, descubro que sou sempre um ponto procurando o próximo parágrafo. Num ciclo sem fim.
            Observando o mundo e a extensão dos sentimentos, me revelo insegura. Embora tenha total convicção das minhas qualidades, parece que sempre preciso de uma “voz” que me carregue em direção à frequência do otimismo. Tem uma frase de Clarice Lispector que sempre me assola: “Tenho uma aparente liberdade, mas estou presa dentro de mim”. Viver é um beco sem saída. Ou se encara de frente e aceita suas fraquezas, ou estará sempre condenado à depressão. Mas, às vezes, por mais que se acredite no “mundo encantado”, é sua própria alma que se torna seu pior inimigo.
Essa cobrança existencial de fugir de si mesmo e seguir em frente, resiliente às pessoas, é a prática mais difícil da vida. Por isso que a maioria dos psicólogos destaca estes meandros na nossa psique.  Mas não adianta; sorrir com um simples elogio é uma das coisas mais valiosas; é o que faz com que seu dia tenha sido bom, apesar do cansaço. Ouvir um “estou com saudades” ou “é bom conversar com você” te deixa mais cheio de si, massageia o seu ego. É ser importante, embora finde a convivência. É descobrir-se importante quando seu coração está lá no fosso.
Mas o coração não se cansa, ele tem cada vez mais sede de palavras e sentidos. O que foi há cinco meses não tem validade agora. O coração precisa de mais sangue para alimentar as mordidas da existência. Quantas vezes me achei tão fraca e incapaz que desisti do que queria, por uma simples palavra mal formulada. Larguei o balé, quando criança, porque a professora me foi um pouco indelicada. Pedi, chorando, que meus pais me tirassem das aulas. E algumas vezes, continuei desistindo. Mas é naquele ditado chulo “é quebrando a cara que se aprende” que eu cresci. Amadurecimento seria a palavra mais precisa.

Hoje, ainda bem, não desisto tão fácil. Embora manca, continuo a caminhada. Permaneço presa no abismo da psique, mas tento fazer desta meu diferencial. O que era fraqueza, hoje é Cult. As características e defeitos que antes escondia, agora é liberdade. O que pensava ser inferior aos demais, como minha personalidade calada e introspectiva, hoje é o que me torna especial. É respeitar-se acima de tudo e saber que a alma se faz latente; infeccionada, mas cheia de anticorpos. Nessa levada ganho fôlego e as borboletas aparecem da janela. E já vem 2015, cheio de sangue pra me fazer pulsar.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Carne nua

Você conhece a saliva que goteja
por entre seu corpo libidinal.
No escuro, as marcas da existência 
evaporam-se com o cintilar 
de nossos movimentos.

Você conhece a alma 
que teima em perfazer 
a rotina como um cálculo matemático.

Mas na cama, nossos rostos crestam-se 
pela verdade antes escondida 
diante dos preceitos coletivos.

Nossos gemidos sobrepujam nossa repressão.
Ali, entre paredes, somos carne nua
e nos devoramos pelo toque.




sábado, 27 de setembro de 2014

Libido

Minha língua roça no seu ouvido
enquanto lá fora os homens
insistem na oposição.

Fechada por cortinas, nossos corpos se atraem
às escondidas.

Nossa junção de pernas são flechas para a liberdade
e me atiro em você.
A libido dos corações flameja pelo toque,
quando de repente nos mordemos.
Sua língua é sinestésica!

A mão que escreve é a mesma que te faz poesia.




sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Retina

Acordou-se de um pesadelo. Olhou ao redor com certo alívio e não voltou a dormir mais. Balançou as retinas. Era o pesadelo que sugava a própria vida. Mas acordaria todos os dias para fechar os olhos e seguir em frente. 


sexta-feira, 6 de junho de 2014

Amor conceituoso

Desvio o olhar atento de mim e te procuro
no labirinto.
Tenho medo dessa confissão.
Por isso termino aqui.
Com o vazio da folha não dita.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A mulher e o rato

         Ele caminha sorrateiramente pela sala de estar até invadir o hall e a porta de entrada, quando chega a dona da casa. Um pequeno rato e uma mulher fitaram-se. A mulher apavorada; o rato amedrontado diante da possibilidade da morte.
          A mulher soltou um grito iminente de covardia; não poderia enfrentá- lo, nem sequer conseguiria entrar em casa. Justamente em um dos dias mais difíceis da semana. Estava exausta, carregada pelo tempo incansável da rotina.
         No seu consultório, onde atendia seus pacientes e seus medos mais adversos, a mulher intuía que o medo latente não tem cura ou teorias freudianas. Medo é medo e ponto. Se sente e paralisa. Um paciente chegou certo dia e disse para ela que tinha um completo medo da morte. O que ela então haveria de responder? Foi quando perguntou para ele, um paciente que aparentava apatia pela vida e que vivia displicentemente, o seguinte:
         - O quê da vida que te dá medo?
         Na verdade, esta pergunta fazia quase que semanalmente para seus diferenciados pacientes. Uma jovem de uns 24 anos, na terapia, falou que tinha medo de ser gente e um pânico por baratas. Um garoto tinha medo de "sair do armário", assumir-se humano simplesmente, por medo dos outros e da família. Às vezes era necessário encarar alguns que adentravam sua sala. Um homem disse que tinha medo de mulher independente, pois o mundo era dos homens. Achava que por isso a cidade estava uma "droga". Um  menino certa vez foi mordido por um cachorro, o que acarretou num profundo trauma, tinha medo até dos latidos. A cada novo paciente era sempre a pergunta indagatória:
         - O que te dá medo?
        Por muito tempo pensou se valeria à pena insistir nestas perguntas, pois mesmo sendo uma respeitada psicanalista também morria de medo. O medo puro, latente pela sobrevivência.
       Agora estava lá, frente a frente com um bicho pequeno. Um rato que fez transbordar o seu coração. Sentia medo porque não havia ninguém para socorrê-la: nem filhos, nem marido, nem parceira. O jeito era sair desta situação sozinha.
       Foi quando o rato começou a dar voltas e mais voltas pela sala, procurando uma saída. Até que encontrou a porta. A mesma porta que leva à mulher a entrada de sua sala de estar. E saiu por ela, fugindo. A mulher sentiu completo alívio. Pelo menos, por enquanto, não precisaria encará-lo. E foi para o quarto terminar o dia.