Ela estava sentada no banco do ônibus
lotado. Eram 17h e tinha acabado de sair do trabalho. As paredes retrógradas de
seu apartamento adornavam sua solidão. A voz do televisor rompia o silêncio do
cômodo e amansava a inquietude do seu ser, gemendo por companhia.
Ainda
à caminho do seu apartamento, percebeu que um olhar masculino a deslindava. Seu
decote, seu suor e seus olhos. Enquanto o ônibus prosseguia lentamente o
percurso, os dois fixaram- se o olhar: ele mais ousado, ela mais tímida e
discreta. “Em que ponto ele desceria?” “Será que é casado?”, pensou.
Depois
de uns quinze minutos o homem desceu ao seu destino. “Mas qual seria?”, pensava
ela. Um pouco frustrada retomou seus pensamentos, seus anseios. Chegando ao seu
destino, a mulher tirou suas vestimentas para tomar banho. Notou que àquela
água que percorria o seu corpo não era a que queria naquele momento, em que as
gotas escorriam em seus lábios, em seus desejos íntimos. Depois de seco o corpo
e enxugado a alma, colocou seu pijama e ligou a televisão. Mas nenhum programa
a atraiu mais do que o olhar daquele ser masculino percorrendo seu corpo de
mulher. Passaram- se horas, até chegar à madrugada, até sua boca se encontrar
com uma laranja, da qual sugava todo seu caldo.
Passados
dias e sua vida ainda na rotineira viagem, entre a casa e o trabalho, entre a
solidão e o silêncio, foi surpreendida por um homem que refletia- se na janela
do ônibus lotado. Era ele. Desta vez ela estava em pé. Ele também. Mais uma vez
os dois olhavam fixamente para a alma do outro. “Será que me aproximo?”,
refletia a mulher. O homem ao notar que seu ponto aproximara- se, percorreu
todo o corredor do transporte até passar sutilmente por trás da mulher. A mesma
sentiu a parte do homem provocando efervescência em todo seu corpo. Salivava.
Não
era possível que não dissessem uma palavra. Era preciso conhecê- lo, mesmo que
fosse para se decepcionar, para amar e não ser amada, para perceber que errou,
que sofreu, que chorou e que a solidão ainda batia em seu peito vazio, mas
cheio de esperança. Tomou coragem e colocou na cabeça que a próxima vez em que
o visse iria cumprimentá- lo, iria falar- lhe, iria esquecer os medos, iria
viver. Durante vários dias sua mente só pensava naquela figura masculina,
imaginando o dia em que a tocasse, no dia em que fariam amor, no dia em que
conversariam na praia.
Até
que alguns meses depois, avistou na parada de ônibus, um homem sentado. “É
ele”, gritava ardentemente em pensamento. Ela desceu do ônibus e parou para
refletir sobre o que deveria falar. Era preciso ir com calma. Andou poucos
passos até ficar perto dele. Mas reparou que ele segurava uma bengala e que
seus olhos não mais a olhavam. Havia ficado cego e nunca mais a viu. Um
acidente trágico de desilusão que arrefeceu os sonhos de uma mulher.