quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A mulher e o rato

         Ele caminha sorrateiramente pela sala de estar até invadir o hall e a porta de entrada, quando chega a dona da casa. Um pequeno rato e uma mulher fitaram-se. A mulher apavorada; o rato amedrontado diante da possibilidade da morte.
          A mulher soltou um grito iminente de covardia; não poderia enfrentá- lo, nem sequer conseguiria entrar em casa. Justamente em um dos dias mais difíceis da semana. Estava exausta, carregada pelo tempo incansável da rotina.
         No seu consultório, onde atendia seus pacientes e seus medos mais adversos, a mulher intuía que o medo latente não tem cura ou teorias freudianas. Medo é medo e ponto. Se sente e paralisa. Um paciente chegou certo dia e disse para ela que tinha um completo medo da morte. O que ela então haveria de responder? Foi quando perguntou para ele, um paciente que aparentava apatia pela vida e que vivia displicentemente, o seguinte:
         - O quê da vida que te dá medo?
         Na verdade, esta pergunta fazia quase que semanalmente para seus diferenciados pacientes. Uma jovem de uns 24 anos, na terapia, falou que tinha medo de ser gente e um pânico por baratas. Um garoto tinha medo de "sair do armário", assumir-se humano simplesmente, por medo dos outros e da família. Às vezes era necessário encarar alguns que adentravam sua sala. Um homem disse que tinha medo de mulher independente, pois o mundo era dos homens. Achava que por isso a cidade estava uma "droga". Um  menino certa vez foi mordido por um cachorro, o que acarretou num profundo trauma, tinha medo até dos latidos. A cada novo paciente era sempre a pergunta indagatória:
         - O que te dá medo?
        Por muito tempo pensou se valeria à pena insistir nestas perguntas, pois mesmo sendo uma respeitada psicanalista também morria de medo. O medo puro, latente pela sobrevivência.
       Agora estava lá, frente a frente com um bicho pequeno. Um rato que fez transbordar o seu coração. Sentia medo porque não havia ninguém para socorrê-la: nem filhos, nem marido, nem parceira. O jeito era sair desta situação sozinha.
       Foi quando o rato começou a dar voltas e mais voltas pela sala, procurando uma saída. Até que encontrou a porta. A mesma porta que leva à mulher a entrada de sua sala de estar. E saiu por ela, fugindo. A mulher sentiu completo alívio. Pelo menos, por enquanto, não precisaria encará-lo. E foi para o quarto terminar o dia.