quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O que sabemos da vida dos outros

         Certo dia, sentada no sofá, parei pra pensar o tanto que ouvi, ao acaso, as histórias dos outros.  É como um Forrest Gump sentado em uma praça. As histórias vêm, por uma simples observação cotidiana. Quando criança, gostava de ouvir as histórias dos outros; seja no ônibus ou no consultório médico. Do casal que conversava atrás de mim, da senhora que por carência, conversava com todos. E fui me aglomerando de histórias.
          Lembro-me de ter escutado pela primeira vez a palavra "tradição", dita em um contexto efusivo de discussão na rua. Procurei no dicionário a palavra, afinal. Foi na rua que aprendi os palavrões. Era dito de uma forma tão frequente que achava bonito. Falei algumas vezes em casa e certamente descobri no chinelo do que se tratava. Ouvia juras de amor e decepções. Fiz um texto na escola com uma história que ouvi. E mesmo adulta, pelo cotidiano, acabava escutando a vida de alguém.
          Às vezes, como uma idosa, sento em lugar público e as histórias aparecem. Uma senhora, ao telefone, falava mal do marido. A figura do indivíduo foi formada na minha cabeça e com certeza não seria das melhores. Já até perdi a conta de quantas pessoas tristes já vi sentadas, contando a Deus a própria amargura. No ônibus um senhor conversa com o amigo sobre anarquia, o outro pregava o evangelho. Um grupo de jovens falava da balada anterior e da vergonha que foi uma tal de "Cintia", bêbada, brigando com o namorado. E sem contar nos desferidos "o Brasil é mesmo uma vergonha".  
         Talvez todas estas confidências não intencionais tenham um sentido. Talvez eu me sinta melhor como gente, quase uma catarse. Ou pra entender que somos ouvidos por desconhecidos, que as histórias são passageiras, que as palavras dos outros se apropriam em nós. E que tudo é gigante demais no pensamento de alguém. Talvez alguém tenha ouvido um pedaço da minha história, também ao acaso, e achado interessante. Ou ridículo, vai saber.